Desafios dos resíduos têxteis: como pensar na reciclagem em um setor que descarta milhões de toneladas
A indústria da moda é uma das mais poluentes do planeta. O consumo desenfreado de roupas, aliado à falta de políticas públicas eficazes e investimentos em tecnologia, gera toneladas de resíduos têxteis todos os anos. De acordo com o IEMI – Inteligência de Mercado, em 2022 foram compradas 6,3 bilhões de peças de roupa no Brasil. No entanto, sem uma política sólida de gestão de resíduos, essas compras resultaram em 192 mil toneladas de lixo têxtil.

O Brasil ocupa uma posição de destaque no cenário global da moda, sendo o quarto maior produtor e consumidor de denim (jeans) e malhas do mundo. Esse volume expressivo de produção e consumo reflete diretamente no problema dos resíduos têxteis, que começa já na fase de corte dos tecidos. Grandes empresas vêm adotando práticas de ‘desperdício zero’ com o uso de tecnologia e reciclagem, mas a realidade de pequenos e médios produtores ainda é outra. O Sebrae estima que, na fabricação de uma simples camiseta de algodão, metade do tecido acaba sendo descartado.
Nos grandes polos da moda do país, a geração de resíduos têxteis é alarmante. Segundo o relatório Fios da Moda, apenas na região central de São Paulo são geradas cerca de 63 toneladas de resíduos têxteis por dia. Desse total, 12 toneladas vêm do Bom Retiro e impressionantes 45 toneladas do Brás, o equivalente a 16 caminhões de lixo diariamente. A prefeitura de São Paulo afirma que a Operação Centro Limpo, que cobre os distritos do Brás, Pari e Belém, coleta sete toneladas de resíduos na região por dia.
Os números nacionais sobre o descarte nesse setor ainda são inconsistentes. Enquanto o IEMI estima 192 mil toneladas ao ano, a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) aponta que o número real pode ser de 4 milhões de toneladas anuais. A entidade também estima que o país perde cerca de R$ 14 bilhões por ano pela falta de investimentos na reciclagem têxtil e geração de empregos no setor.
O Impacto Ambiental e Social do Descarte de Tecidos
Além do desperdício de matéria-prima, o descarte inadequado de tecidos contribui para a poluição ambiental. Globalmente, são produzidas 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis a cada ano – o equivalente a um caminhão de lixo cheio de tecidos sendo descartado a cada segundo. Nos Estados Unidos, cada pessoa descarta, em média, 70 quilos de tecidos por ano, resultando em 17 milhões de toneladas de resíduos, das quais apenas 2,5 milhões são recicladas.
A maioria das roupas descartadas atualmente é feita de fibras sintéticas e artificiais derivadas do petróleo, que se tornaram populares por seu custo e elasticidade. No entanto, o manejo desses materiais, como o poliéster, apresentam desafios adicionais para a reciclagem, além de liberarem microplásticos durante a lavagem, que acabam contaminando rios e oceanos. A poluição por corantes também é um problema grave, sendo responsável por cerca de 20% da poluição global da água.
O modelo de consumo imposto pelo fast fashion também intensifica esse problema. Hoje, compramos 60% mais roupas do que há 15 anos e ficamos com elas pela metade do tempo. Muitas peças são fabricadas com materiais de baixa qualidade, não duram muito e rapidamente são descartadas. Mesmo quando devolvidas ao varejo, muitas acabam em aterros sanitários. A indústria da moda responde por 10% de todas as emissões globais de carbono – mais do que as emissões combinadas de todos os voos e transportes marítimos internacionais.
Como funciona a reciclagem de tecidos

Uma pesquisa do governo de Nova Iorque aponta que 95% dos tecidos podem ser reciclados. Quando levados a recicladoras, os itens têxteis são avaliados quanto à possibilidade de reaproveitamento. De acordo com a Associação de Materiais Secundários e Têxteis Reciclados (SMART), dos Estados Unidos, os tecidos reciclados são amplamente utilizados na fabricação de trapos e panos de limpeza para a construção civil, indústria manufatureira e outros setores.
A reciclagem pode ser feita de duas formas principais: mecânica e química. O processamento mecânico, mais comum e acessível, tritura os tecidos e separa suas fibras para que possam ser reprocessadas. Esse método é especialmente utilizado para algodão e fios naturais. Durante o processo, as fibras são desalinhadas e, por meio de um procedimento chamado cardagem, ficam prontas para serem retecidas. Quando a fibra reciclada não pode ser transformada novamente em tecido, ela é usada como enchimento para almofadas, colchões e isolantes térmicos.
Já a reciclagem química, ainda pouco utilizada devido ao alto custo, permite a separação dos polímeros presentes nos tecidos sintéticos. O poliéster reciclado, por exemplo, frequentemente provém de garrafas PET trituradas, que são derretidas e transformadas em novas fibras têxteis. No entanto, mesmo esse processo tem impactos ambientais, pois roupas de poliéster reciclado continuam liberando microplásticos na água.
Desafios da reciclagem têxtil
Embora a reciclagem têxtil seja uma solução promissora, ainda há muitos desafios a serem superados. A diversidade de materiais nos tecidos – como misturas de fibras, corantes e acabamentos químicos – exige processos mais sofisticados para separar cada componente. Além disso, detalhes como botões, zíperes e lantejoulas precisam ser removidos antes da reciclagem, o que encarece o processo.
Outro obstáculo é a perda de qualidade das fibras recicladas. No processamento mecânico, as fibras se tornam mais curtas, o que limita seu uso na confecção de roupas novas. Para manter a qualidade, muitas vezes é necessário adicionar material virgem à mistura, reduzindo o impacto ambiental da reciclagem, mas não eliminando totalmente a necessidade de novos tecidos.
Uma forma de enfrentar esses desafios é pensar no uso inteligente dos resíduos têxteis antes que se tornem lixo. O upcycling, por exemplo, transforma sobras de tecido e roupas descartadas em novos produtos de maior valor, prolongando a vida útil dos materiais sem a necessidade de processos químicos ou mecânicos complexos. Além disso, políticas de incentivo, investimentos em tecnologia e a conscientização do consumidor sobre consumo responsável podem fortalecer a economia circular e reduzir o impacto ambiental da indústria da moda.